4/11/2010

Mais comentários sobre Torá e Ciência

Na outra postagem sobre o tema tentei mostrar que a ciência , por vários motivos, deve ser colocada entre parênteses. Isto deve ser feito sempre, mas especialmente quando ela se coloca como portadora de verdades universais, como única fonte do saber e quando tenta explicar fenômenos retroativamente.
Apesar de esses princípios gerais serem sempre válidos, podemos abordar cada asunto de maneira diferente. Primeiro, temos que separar ciência de ideologia científica. Depois, temos que analisar na ciência as suas bases e argumentos. Por fim, devemos ver se ,na Torá, há opiniões consagradas que apoiam o ponto de vista científico ou pelo menos não o rejeitam.
Então, por exemplo, a teoria da evolução é apenas uma hipótese que, na verdade, ao ser testada, não se provou real. Nada foi replicado em laboratório, as espécies intermediárias não foram encontradas, as mutações são sabidamente deletérias e etc. Para mais detalhes recomendo o livro do Michael Denton "Evolution: A Theory in Crisis". Creio que esta teoria só se sustenta por ter se tornado uma ideologia científica que serve a vários interesses que vão desde os psicológicos dos próprios cientistas materialistas até político-sociais. Além disso, ao menos sobre a evolução do macaco para o homem, não há conciliação com a Torá já que esta usa a palavra hebraica "Bará" para a criação do homem. E esta significa criação a partir do nada, ou seja, não pode ter havido evolução. Neste caso, creio ser pouco relevante tentar reconciliar a Torá com a ciência.
Por outro lado, a questão da idade do universo é diferente. Tanto porque as evidências científicas sobre a questão são bastante poderosas quanto porque há opiniões consagradas da Torá de mais de 2000 anos atrás que corroboram esta visão.
O fato é que sabendo a velocidade da luz e a distância das estrelas, além de outros métodos os cientistas chegam a conclusão hoje de que o universo tem de doze a quinze bilhões de anos.
Já a Torá ensina que este tem apenas 5770 anos. No entanto, sabemos que cada ensinamento da Torá tem pelo menos 70 maneiras de serem interpretados("sheva panim baTorah"), mas estes nunca podem negar o sentido literal, o mais evidente.
Cabalistas anteriores ao Arizal(conehcido como o maior deles) da escola do Rabino Nehunya ben Hakana opinavam que, na verdade, o mundo existiria por sete ciclos sabáticos de 6000 anos e que nós estaríamos no último deles. Além disso, ensinavam que um dia divino equivaleria 1000 anos humanos( tudo isso são interpretações profundas de versículos da Torá). Então, se juntarmos as duas coisas teremos 42ooo anos de antes da criação vezes 365000 o que dá cerca de 15 bilhões de anos.
Dessa maneira, temos a conciliação da Torá com a ciência.
Todavia, ainda mais importante é conciliar a ciência com a Torá já que esta é a Sabedoria divina. Para isso, temos que lembrar do conceito reconhecido da física quântica de que o observador influencia o objeto observado. Em linguagem mais científica, o observador consciente(humano) provoca o colapso da função onda. Em termos cosmológicos isso significa que antes do primeiro homem( adam harishon) o universo tinha uma existência. Porém, esta era bem diferente da que ele passou a ter após a criação do homem. Antes, o que havia era uma espécie de superposição de possibilidades.
Assim, podemos entender por que a Torá nos ensina que o mundo foi criado há apenas 5770 anos. Pois, foi apenas a partir daí que o mundo de fato começou. Isto esclarece também o ensinamento de que o homem é parceiro de D-us na criação, já que ele é responsável por fazer a criação de fato existir.
Além disso, conciliamos também as duas opiniões da Cabalá. A mais antiga que diz que o mundo foi criado há cerca de 15 bilhões de anos com a do Arizal que diz que o mundo tem 5770 anos e que os ciclos sabáticos se referem a mundos espirituais. Na verdade, ambos estão dizendo o mesmo. A questão é que um está chamando essa superposição de todas as possibilidades que o mundo era antes de Adam harishon de mundo físico e a outra o chama de espiritual.
Com isso, vemos que podemos tratar diferentes dilemas de formas distintas, apesar de podermos também usar sempre a abordagem descrita no post anterior. Neste caso, achei relevante trazer uma outra visão pois a questão da idade do universo é uma aparente divergência central e porque tanto a ciência quanto a Torá traz bons argumentos para que consideremos a possibilidade de que o universo, ao menos de certa maneira, tenha bilhões de anos.

Para quem quiser aprofundar-se mais sobre o tema, recomendo a leitura do livro "Mind over Matter" que é uma coletânea de ensinamentos do Rebe sobre o tema; "Evolution: A Theory in Crisis" de Michael Denton; a seção sobre este tema no site do chabadhttp://www.chabad.org/library/article_cdo/aid/435073/jewish/Torah-Science.htm, a visita ao site de uma revista que só publica textos sobre a relação entre Torá e ciência http://www.borhatorah.org/ e até um curso sobre filosofia da ciência do professor Olavo de Carvalhohttp://www.olavodecarvalho.org/avisos/cursofilosofiaciencia.html.

4/10/2010

Sobre a Verdadeira Liberdade

Em primeiro lugar, peço desculpas pela pouca atividade no blog, mas tenho tido pouco tempo para este espaço. No entanto, como ainda estamos no mês de Nissan e este é todo relacionado aos temas de Pessach, redenção e liberdadade, estamos num momento propício para abordarmos essas questões.
Pessach também tem o nome menos conhecido de Zman Cherutenu( Tempo de nossa Liberdade). Esse nome alternativo claramente destaca a saída da escravidão do Mitzraim(Egito) para a liberdade, primeiro no deserto e depois em Eretz Israel.
No entanto, não há nada na Torá que não seja relevante para os judeus do passado, de hoje e de sempre. Pessach, certamente, não foge a esta regra. Então, a mensagem clara é que devemos sair da escravidão para a liberdade neste momento também.
A palavra em hebraico para Egito, Mitzraim, vem de meitzarim( limitações). Isto já nos indica que escravidão para um judeu em termos espirituais significa ficar preso às limitações. Limitações à nossa liberdade, é claro. Mas, primeiro, será que realmente podemos ser livres? Em caso afirmativo, o que é ser livre? O que é liberdade?
No mundo secular, há duas formas de pensamento ligados a estas questões que fazem parte da cultura geral e influenciam as pessoas. Para cada tipo de discurso - seja acadêmico, militante ou popular - uma delas serve melhor.
A primeira é a noção gerada pelas teorias sobre o inconsciente de S. Freud de que o homem teria forças inconscientes em conflito e aquela que fosse vencedora acabaria por direcionar a sua ação. Ou seja, o homem seria governado justamente por aquilo que foge do seu controle, o inconsciente. Não é preciso dizer que isto diminui muito o valor do livre arbítrio e com ele dos valores éticos. Se o homem não é senhor de si mesmo, então como pode haver um julgamento moral sobre suas ações? Dessa maneira, a liberdade também é muito restrita.
Já para J. P. Sartre, autor que também influenciou muito o pensamento acadêmico e popular no século XX, nada é imutável e definitivo na condição humana, o homem seria " um projeto em suspenso" e "um ser para a morte". Isto é, ele escolhe quem será amanhã. No entanto, Sartre dá um passo adiante, dizendo que, por isso, o homem não deve ficar preso a nenhum valor ético de qualquer origem e que ele teria que escolher e até desenvolver valores para seguir ou até ,simplesmente, não os ter. Sendo assim, aqui, há livre arbítrio, porém, mais uma vez, não há ética ou, ao menos, a ética fica muito fluida e relativa.
É claro que houve muitos outros autores e fatores que implicaram a decadência moral do mundo em que vivemos, que trouxe consequências tão nefastas(é difícil imaginar que tragédias como os campos de extermínio nazistas ou os Gulags soviéticos acontecessem num ambiente moral mais elevado). Apesar disso, essas duas formas de pensar acabaram se misturando na cultura do século XX e são duas das causas deste fenômeno.
Por outro lado, o judaísmo, se não discorda da existência do inconsciente, ensina que ainda assim temos livre arbítrio. Todavia, o exercício do verdadeiro livre arbítrio é justamente escolher entre o certo e o errado, na linguagem da Torá, entre fazer a vontade de D-us ou desobedecê-la. Assim, tanto Freud quanto Sartre estão equivocados, apesar de que não completamente.
Então, em Pessach aprendemos que devemos sair das nossas limitações que muitas vezes são apenas internas(algumas até oriundas do inconsciente) para que possamos estar completamente livres para fazer a escolha certa. No salmo do rei David, esta se resumiria em: "sur merá ve assê tov, assê shalom ve radfehu"( "se afaste do mal e faça o bem, faça a paz e persiga-a").